O novo livro de Michelle Obama, The Look, é muito mais do que um álbum com mais de 200 fotografias — algumas inéditas. Pela primeira vez, a ex-primeira-dama narra, em suas próprias palras, a trajetória completa de sua construção visual, revelando como a moda se tornou parte essencial de sua vida pública.
Segundo as principais críticas especializadas, a obra consolida a moda como linguagem política ao expor os bastidores de uma estratégia de comunicação refinada e ao ampliar o debate sobre raça, gênero e representação visual na esfera pública.
Te podría interesar FAST FASHION O que está por trás das roupas que vestimos todos os diasCOP30 Moda pelo Clima: Fashion Revolution defende transição justa e regenerativa na indústria A estratégia visual da primeira-damaPrimeira mulher negra a ocupar a função de primeira-dama nos EUA, Michelle institucionalizou uma abordagem visual inédita na Casa Branca, com uma equipe dedicada — styling, cabelo e maquiagem — integrada ao trabalho da Ala Leste. Na era das redes sociais, usou roupas como ferramenta diplomática, sinal político e gesto simbólico.
Ao escolher o jovem Jason Wu para o baile inaugural de 2009, impulsionou talentos ignorados pela moda dominante. Ao longo dos oito anos de governo Obama, cerca de 100 looks foram planejados com critérios que iam do protocolo internacional à necessidade prática de abraçar apoiadores, caminhar ou brincar com crianças — sem perder força simbólica.
Te podría interesar ESTÉTICAS DA FLORESTA COP30: o recado da roupa de Fafá de BelémMARCADOR SOCIAL O peso das roupas no corpo do jovem preto e pobre O cabelo como campo de disputaMichelle dedica parte central do livro ao tema mais delicado de sua vida pública: o cabelo. Ela explica por que, durante o mandato, manteve os fios alisados — não por preferência estética, mas para evitar que sua imagem se tornasse “distração política” em um país onde o visual de mulheres negras ainda é alvo de vigilância e preconceito.
Depois de deixar a Casa Branca, assumir tranças e texturas naturais tornou-se, para ela, um gesto de liberdade, afirmação e reparação histórica.
A ex-primeira-dama descreve a tensão vivida por tantas mulheres negras: parecer “respeitável” segundo padrões racistas ou assumir plenamente a própria identidade. Lembra que, em 2008, até um simples toque de punhos com Barack Obama foi lido de forma estereotipada por setores conservadores — um sinal de como seu corpo e seu estilo eram politizados desde o início.
No livro, Michelle recupera essa trajetória para explicar por que o cabelo se tornou parte de sua estratégia pública. E mostra como a discussão não é pessoal, mas política: conecta o tema à CROWN Act, lei que proíbe discriminação capilar nos EUA, e aos inúmeros casos de crianças, atletas e trabalhadores punidos por usarem penteados afro, tranças ou dreadlocks.
Uma jornada sobre poder e representaçãoAo longo de 287 páginas, a obra percorre sua trajetória desde a campanha de Barack Obama ao Senado dos EUA — quando ainda era uma figura emergente — até o período em que se tornou a primeira mulher negra a ocupar a Casa Branca, transformando sua aparência em território de disputa política, cultural e racial.
O relato chega ao presente, momento em que Michelle se consolidou como uma das vozes mais influentes da cultura estadunidense. O livro reúne depoimentos de Meredith Koop, sua estilista de confiança; do maquiador Carl Ray; dos cabeleireiros Yene Damtew, Johnny Wright e Njeri Radway; além de designers responsáveis por alguns de seus looks mais emblemáticos.
A trilogia sobre identidade, poder e imagemThe Look conduz o leitor aos bastidores — não apenas para revelar como cada visual foi construído, mas para contar uma história mais profunda sobre identidade, representação e o poder silencioso da forma como escolhemos nos apresentar ao mundo.
Lançado em 4 de novembro pela Crown (Penguin Random House), o livro encerra uma trilogia sobre identidade e poder. O percurso começou com Becoming (2018) — publicado no Brasil como Minha História —, em que narra infância, racismo estrutural, carreira e a descoberta de sua própria voz. Seguiu com The Light We Carry (2022) — A Luz que Carregamos —, um guia de sobrevivência emocional no pós-pandemia.
Agora, em The Look, Michelle vira o espelho para si mesma mais uma vez — desta vez a partir das roupas — e mostra como moda, beleza e política se entrelaçam para produzir significados. Até o momento, não há anúncio oficial de tradução para o português nem previsão de lançamento no Brasil.
O que os críticos acharam do livroA recepção de The Look foi bastante positiva nos grandes jornais e revistas dos EUA e do Reino Unido. Pelas críticas, o livro não é apenas um catálogo de roupas — é um relato direto e poderoso de como Michelle Obama transformou a moda em parte de seu trabalho político.
O Guardian afirma que o livro mostra como a aparência de Michelle — especialmente seus braços e seu cabelo — virou tema de debate em um país marcado pelo racismo. Para o jornal, cada look funciona como uma forma de “resistência diplomática”, equilibrando elegância, protocolo e afirmação de identidade.
A Entertainment Weekly destaca que, durante o mandato, Michelle evita falar de moda para não desviar o foco de seu trabalho. Agora, no livro, ela explica como cada escolha — de estilistas a cores — fazia parte de estratégias políticas e culturais deliberadas.
A InStyle enfatiza os bastidores. Segundo a revista, a parceria com a estilista Meredith Koop estruturou fases visuais claras: um estilo acessível no início e, após a Casa Branca, uma estética mais ousada, com cores marcantes, jeans, alfaiataria leve e tranças.
O New York Times afirma que The Look confirma Michelle como uma das figuras mais influentes da moda contemporânea. Para o jornal, suas roupas operam como “poder sue”: ajudam a destacar causas, moldam mensagens e mudam a forma como o mundo enxerga mulheres negras em posições de liderança.
Quando vestir vira parte da políticaAs primeiras-damas sempre foram observadas, mas The Look marca uma virada: sai de cena o “parecer adequado” e entra o “comunicar ideias e políticas por meio da roupa”.
Depois de Michelle Obama, tanto Melania Trump quanto Jill Biden passaram a contar com equipes fixas de moda, cabelo e maquiagem — consolidando a moda como uma forma de soft power e de gestão de imagem dentro do próprio governo.
Seguindo essa trilha aberta por Michelle — que transformou a moda em linguagem política — outra figura despontou com força simbólica. Na noite em que Zohran Mamdani se tornou o primeiro prefeito muçulmano e millennial de Nova York, quem atraiu holofotes foi Rama Duwaji, 28 anos, artista sírio-americana e nova primeira-dama da cidade. Seu visual, carregado de significado cultural e político, converteu sua estreia pública em um gesto de identidade e pertencimento.
LEIA TAMBÉM: Qual é a mensagem da roupa da futura primeira-dama de Nova York?
Como representante da geração Z, Duwaji usa a moda como discurso. Seu estilo mistura arte, ativismo e autenticidade para afirmar causas, contestar padrões e reivindicar espaço. Ao lado de Mamdani — defensor de medidas progressistas como congelamento de aluguéis e creches universais —, ela apresentou uma nova leitura de poder: a estética como ferramenta de comunicação e ação política.
De Dilma Rousseff a Angela Merkel, Margaret Thatcher e Cristina Kirchner, o guarda-roupa das mulheres no poder sempre foi escrutinado de forma desproporcional. Não por acaso, muitas adotam uma espécie de “uniforme” inspirado nos códigos masculinos de autoridade: terninhos estruturados, cores discretas e cortes rígidos.
LEIA TAMBÉM: O armário de Kamala Harris e o peso das roupas das mulheres na política
O célebre “Pantone Merkel” — dezenas de blazers quase idênticos em diferentes cores — virou símbolo dessa estética calculada, construída para transmitir neutralidade, disciplina e profissionalismo em ambientes ainda dominados por homens.
Identidade e pertencimentoNo Brasil, a roupa também comunica poder e posicionamento. Janja escolheu usar calças na posse de Lula 3 — um gesto simples, mas carregado de significado em um país que, até os anos 1990, obriga mulheres no Congresso e no STF a usarem saia.
Sônia Guajajara leva cocar, grafismos e cores indígenas para dentro do governo, afirmando a presença dos povos originários no Estado. Anielle Franco usa tecidos africanos e búzios como afirmação de ancestralidade e resistência.
LEIA TAMBÉM: Mulheres que se vestem de cor e brasilidade na política
No parlamento, Benny Briolly e Erika Hilton desafiam normas de gênero simplesmente ao existirem publicamente como são — e ao enfrentarem a vigilância e a violência que recaem de forma desproporcional sobre corpos dissidentes.
A trajetória de Michelle Obama na moda mostra que nenhuma peça é neutra sob os holofotes do poder. Roupas não elegem ninguém — mas ajudam a comunicar o que um governo defende, para quem governa e com quem se alinha.
O desafio é lembrar que, ao discutir quem veste o poder, estamos falando também de quem costura esse poder todos os dias.
Temas moda Michelle Obama representatividade feminina negritude Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar